Na noite de 14 de junho, o Auditório Carlos do Carmo, em
Lagoa, foi palco de um espetáculo memorável que fundiu tradição,
espiritualidade e movimento. Jonas apresentou o seu mais recente projeto, "Maçã
D'Adão", perante uma sala repleta, conduzindo o público por uma viagem
sensorial pelas profundezas do Fado e da sua dimensão mais esotérica.
Muito mais do que um concerto, "Maçã D'Adão" revelou-se
uma experiência artística total, onde música, dança e espiritualidade se
entrelaçaram num diálogo intenso entre passado e presente, tradição e
contemporaneidade. Jonas, na voz e no corpo, guiou o espetáculo com a mestria e
entrega a que já habituou o público, num registo que desafia convenções e
resgata a alma do Fado numa linguagem profundamente atual.
Ao seu lado em palco, estiveram os talentosos Bernardo
Romão, Hélder Machado, Lander Patrick, Lewis Seivwright, Tiago Valentim e Yami
Aloelela, numa comunhão artística de rara sensibilidade. O entrosamento
entre os músicos e intérpretes de movimento conferiu ao espetáculo uma energia
contagiante, em que cada nota, gesto e silêncio contribuíram para a construção
de um universo denso e poético.
O alinhamento do concerto percorreu os temas do novo álbum, "Maçã
D'Adão", mas não esqueceu o anterior trabalho, "São Jorge", bem como
interpretações poderosas de clássicos como "Minha Mãe", de José Afonso,
e "Mãe Preta", composta nos anos 30 pelos brasileiros Caco Velho e
Piratini — um tema que atravessou fronteiras e décadas, e que ganhou aqui nova
vida.
Com "Maçã D'Adão", Jonas aprofunda o caminho iniciado
em "São Jorge" e "Bate Fado", mergulhando nas raízes mais ancestrais do Fado.
Este novo trabalho afirma-se como um manifesto artístico onde o Fado é
expressão de mundividência, entrelaçando influências gitanas, mouriscas,
afro-brasileiras e ibéricas, num gesto de resistência poética contra tempos
de intolerância e fragmentação.
O concerto em Lagoa foi, assim, uma ode à diversidade
cultural e à força transformadora da arte, onde o Fado se reergueu não
apenas como canto, mas como corpo, como ritual, como ponte entre mundos. Jonas
mostrou, mais uma vez, que o Fado pode ser muito mais do que lamento — pode ser
criação, destino e memória.
Em "Maçã D'Adão", Jonas não canta apenas o Fado. Ele recria-o.
E nesse gesto, convida-nos a todos a repensá-lo — e a senti-lo — de forma mais
profunda e livre.
Partindo do primeiro capítulo bíblico - Génesis - todo ele
ligado à criação, Maçã d'Adão recupera, também, a dimensão mística do fado, no
sagrado e no profano, e abraça uma ideia de destino, de roda da fortuna e de
oráculos, como a leitura das mãos, os búzios ou o tarô.
Maçã d'Adão é o segundo disco do cantautor Jonas, um
projeto único que reconstrói, reinterpreta e projeta dimensões do Fado que se
foram perdendo ao longo do tempo.